No começo até se entenderam bem... Ele estava lá como sempre havia estado, pra se aproximar demorava anos, séculos talvez. Ela chegou também tímida, mostrando a ele que a vida era muito mais do que ficar deitado sobre a cama granulada. Trouxe-lhe um pouco mais de atividade, agitação e até mesmo utilidade.
Ele ficou feliz, recebeu-a bem e sempre lhe dava os mais belos presentes: conchas, estrelas, viajantes... De vez em quando se exibia mostrando a potência de sua voz e a força de seus braços. Perdão pelo lapso, mas tinha esquecido de dizer que apesar de arredio ele era exibido. Mostrava a ela como sabia ser poderoso e arrebatador quando queria. Preparava um espetáculo de espuma, vento e respingos que a deixava embasbacada.
Depois tudo começou a mudar. Ela começou a exigir mais espaço, e como era espaçosa! Tanto que não se contentava mais com o que tinha e passou a tomar conta do espaço dele. Ele, muito tolerante, foi cedendo aos caprichos da amada. Não deixava, nem mesmo uma manhã, de refletir o alaranjado da aurora só para fazê-la sorrir.
Mas ela já não lhe fazia atenção. Dia e noite o insultava, despejava nele toda a sua raiva e descarregava suas amarguras. Tirou dele tudo o que tinha de valor, destruiu-lhe a vida.
Ele, já cinza de tanta tristeza, acabou se cansando. Começou a exigir seu espaço de volta. Aí, então, ela já não teve mais o que fazer. Só podia ficar ali onde estava, passiva, enquanto ele lhe moia os ossos, inundava suas veias de sal e afogava suas defesas.
Aquela que um dia achou-se poderosa, não mais pôde resistir. Submersa nas lágrimas de raiva que ele derramou, calou-se, enfim.