sábado, 25 de dezembro de 2010
A Carta
Não vá levar tudo tão a sério
Sentindo que dá, deixa correr
Se souber confiar no seu critério
Nada a temer
Não vá levar tudo tão na boa
Brigue para obter o melhor
Se errar por amor Deus abençoa
Seja você
No que sua crença vacilou
A flor da dúvida se abriu
Vou ler a carta que o Biel mandou
Pra você, lá do Brasil:
"Eles me disseram tanta asneira, disseram só besteira
Feito todo mundo diz.
Eles me disseram que a coleira e um prato de ração
Era tudo o que um cão sempre quis
Eles me trouxeram a ratoeira com um queijo de primeira
Que me, que me pegou pelo nariz
Me deram uma gaiola como casa, amarraram minhas asas
E disseram para eu ser feliz
Mas como eu posso ser feliz num poleiro?
Como eu posso ser feliz sem pular ?
Mas como eu posso ser feliz num viveiro,
Se ninguém pode ser feliz sem voar?
Ah, segurei o meu pranto para transformar em canto
E para meu espanto minha voz desfez os nós
Que me apertavam tanto
E já sem a corda no pescoço, sem as grades na janela
E sem o peso das algemas na mão
Eu encontrei a chave dessa cela
Devorei o meu problema e engoli a solução
Ah, se todo o mundo pudesse saber
Como é fácil viver fora dessa prisão
E descobrisse que a tristeza tem fim
E a felicidade pode ser simples como um aperto de mão
É esse o vírus que eu sugiro que você contraia
Na procura pela cura da loucura,
Quem tiver cabeça dura vai morrer na praia."
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Livro
segunda-feira, 25 de outubro de 2010
A fantasia de Norma
O domingo chegara... Estava na hora de usar sua fantasia preferida de dia das bruxas. Dia das bruxas? Não, jamais! Não num domingo! Se fosse terça ou quarta-feira tudo bem, mas num domingo jamais. O nome era inaceitável, mas a fantasia não.
As roupas curtas e cheias de reentrâncias como sempre, afinal gostava de se vestir assim. Pensou por um momento que estavam exageradas, mas os homens não olham pra decotes num domingo. Nos outros dias da semana, tudo bem... Mas se olhassem num domingo é porque eles que estavam errados, isso sim! Porque não se olha com malícia para coxas à mostra num domingo.
Entrou no carro e colocou uma música que edificasse, afinal de contas era domingo. Escondeu o cd da Lady Gaga que tocava a semana toda debaixo do banco, como se fosse uma droga ilícita. Particularmente, íntimo leitor, creio que deveria ser equiparado a tanto.
Voltemos a ela.
Sentou-se no lugar de sempre, deu sorrisinhos e tchauzinhos espevitados, levantou a mão quando todos levantaram e assentiu com a cabeça sempre que o engravatado em sua frente levantava o tom da voz. No envelopezinho timbrado, colocou seu ingresso mensal para a eternidade.
Quando voltou para o estacionamento, tardou para entrar no carro, era só uma questão de tempo até ser abordada.
Pronto.
Rizinhos histéricos, tapinhas no ombro, reprovação das condutas alheias, a bem ensaiada cara de escandalizada ao saber dos detalhes sórdidos. Muito discernimento, muita sabedoria, muita unção... Ouvira essas palavras a vida inteira e já aprendera a usá-las direitinho em cada frase.
Findo o informe, entrou no carro e voltou para casa. O sorriso sumiu, os olhos caíram e as sobrancelhas se uniram. Numa freada, o cd da Lady Gaga apareceu e foi direto para o player. Sua oficina de teatro semanal terminara e fora muito bem mais uma vez. Podia voltar, orgulhosa, para o backstage de seu dia-a-dia, sem se preocupar com sua performance durante os próximos seis dias.
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
A forma de Virgínia lidar com a vida
Sabia que aquele momento chegaria. Chegou a apegar-se à ilusão de que não, mas sabia que haveria de chegar.
Ele chegaria e não havia outro jeito, tinham de se encarar. Já que seria obrigada a encará-lo, preferiu não encarar a si mesma e evitou os espelhos. Preferiu a procrastinação do encontro com a vergonha de seu próprio rosto. A vida toda fora assim: procurando adiar o inadiável. Por isso metera-se naquela situação. Se ao menos tivesse dito a verdade, o que realmente sentia... se começasse colocando um ponto final, como tantas vezes fora aconselhada pela canção! Mas agora já era tarde.
Às duas e trinta e oito, a campainha tocou. Como quisera atrasar um pouco mais o que tanto temia, arrastou os passos. Abriu a porta e ele entrou sem dizer palavra. O ressentimento enchia os olhos daquele que amou ardentemente tantas vezes.
- Café?
-Com açúcar mascavo.
E só.
Como por instinto, acabou lidando com a situação da única forma que sabia. Enquanto ele apoiava o pires sobre a bancada da cozinha, deixou que seus seios lhe roçassem levemente o ombro. Preparou o olhar cheio de malícia para lançá-lo nos olhos de sua presa. Bastou aquele gesto para que o corpo tomasse as rédeas e deixasse de lado a razão.
Momentos de confusão entre côncavo e convexo... Celebraram, de forma corrompida, o que deveria ser um dom precioso concedido pelo Criador.
Por fim, Virgínia deitou-se exausta enquanto ele abotoava a camisa e saía pela porta confusa. Mais uma vez, adiara o adeus. Até quando? Não importava, ainda o tinha em suas mãos.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
domingo, 5 de setembro de 2010
A peleja de Dorival para entender a Eternidade
-Ah, e outra coisa, aqui não existe tempo.
-Uhn?!
A conversa toda até ali fora surpreendente, mas aquilo já era mais do que um dia imaginara. Nenhuma pergunta ficara sem resposta, tudo aquilo que sempre quisera saber fora esclarecido. Porque as pessoas morrem, porque as pessoas sofrem, porque, afinal de contas, Ele criara as pessoas... Entre muitas outras.
Percebeu em certo momento que não precisava perguntar, era só deixar Ele falar que as respostas vinham. Bem no instante (?) em que ia perguntar quando poderiam se ver de novo, Ele veio com aquela:
-Ah, e outra coisa, aqui não existe tempo.
- Uhn?!
-É, não existe. Não precisamos dele aqui.
Não conseguia esperar a resposta, precisava perguntar:
-Mas, mas... E o pôr-do-sol? – disse lembrando saudoso dos fins de tarde passados em Ilha Grande.
-Você quer ver o pôr-do-sol? – e apareceu uma imensa bola de fogo alaranjada se escondendo por trás do azul infinito.
-Mas não é só isso, é que...
-É, eu sei... Precisei criar o tempo pra vocês porque vocês não conseguem ver as coisas da forma que Eu vejo. Não conseguiam, agora que estão comigo, conseguem. Vocês não saberiam apreciar o pôr-do-sol, o sorriso de uma criança, a beleza de uma amizade, o acúmulo de sabedoria e o prazer de viver ardentes amores, se não fosse pelo tempo.
-Mas e aqui?
-Aqui é a Eternidade. Você já tem noção do que é a Eternidade?
-É um bocado de tempo, né?
E mais horas (?) de conversa se seguiram.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
Folha em Branco
Olho pra essa folha, já escrita, quase furada pela borracha que tantas vezes já a apagou, cheia de riscos, rasuras e liquid paper. Como foi que eu deixei ficar assim? Não deixei, aconteceu. Fui escrevendo, escrevendo, sem ter o cuidado de ver o que estava saindo. Acabei me distraindo e quando fui ver já estava assim.
Oxi, que vergonha...
Tomara que ninguém veja... imagina se mamãe vê o que fiz com essa folha!
Amasso, jogo no lixo, mas não adianta, ela continua lá. Me olhando, me desafiando. Sabe que não consigo me livrar dela. Podia rasgar, queimar, acabar com a raça da maldita. Mas é a única que eu tenho, onde mais iria escrever?
Desamasso, aliso com as mãos, passo com ferro. E agora? Surge na mente o desafio de escrever de novo, dessa vez em vermelho-sangue... e não é que a danada tá alvejando? Quem diria... Logo com vermelho-sangue!
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
A epopéia de Urbana e Omar
No começo até se entenderam bem... Ele estava lá como sempre havia estado, pra se aproximar demorava anos, séculos talvez. Ela chegou também tímida, mostrando a ele que a vida era muito mais do que ficar deitado sobre a cama granulada. Trouxe-lhe um pouco mais de atividade, agitação e até mesmo utilidade.
Ele ficou feliz, recebeu-a bem e sempre lhe dava os mais belos presentes: conchas, estrelas, viajantes... De vez em quando se exibia mostrando a potência de sua voz e a força de seus braços. Perdão pelo lapso, mas tinha esquecido de dizer que apesar de arredio ele era exibido. Mostrava a ela como sabia ser poderoso e arrebatador quando queria. Preparava um espetáculo de espuma, vento e respingos que a deixava embasbacada.
Depois tudo começou a mudar. Ela começou a exigir mais espaço, e como era espaçosa! Tanto que não se contentava mais com o que tinha e passou a tomar conta do espaço dele. Ele, muito tolerante, foi cedendo aos caprichos da amada. Não deixava, nem mesmo uma manhã, de refletir o alaranjado da aurora só para fazê-la sorrir.
Mas ela já não lhe fazia atenção. Dia e noite o insultava, despejava nele toda a sua raiva e descarregava suas amarguras. Tirou dele tudo o que tinha de valor, destruiu-lhe a vida.
Ele, já cinza de tanta tristeza, acabou se cansando. Começou a exigir seu espaço de volta. Aí, então, ela já não teve mais o que fazer. Só podia ficar ali onde estava, passiva, enquanto ele lhe moia os ossos, inundava suas veias de sal e afogava suas defesas.
Aquela que um dia achou-se poderosa, não mais pôde resistir. Submersa nas lágrimas de raiva que ele derramou, calou-se, enfim.
domingo, 15 de agosto de 2010
Inimigo com números
-Alô!
-Oi, chame Djalma por favor, filho!
-Desculpa, mas não tem nenhum Djalma aqui, não.
-Como não tem? Djalma que me deu esse número.
-Sim, senhor... Mas o senhor deve ter ligado errado.
-Então, rapaz... Aí não é um orelhão?
-Não, senhor.
-Não fica no bar na esquina da casa de Djalma?
-Não, senhor... Esse número é de uma linha particular.
-Ah, sim... Então chame Djalma aí, faz favor.
-Já disse que não tem nenhum Djalma aqui. O senhor está me incomodando, estou ocupado, tenho muitas coisas pra fazer!
-Sim filho... Não precisa ficar bravo comigo. Chame Djalma pra mim que lhe deixo em paz.
-Meu senhor, qual o número que o senhor ligou?
-XXXX-XXXX, não é esse número?
-É sim, senhor. Mas...
-Então, rapaz... Chame logo Djalma que to com pressa, não tô de brincadeira, não!
-Mas eu não sei quem é Djalma!
-É um rapaz forte, moreno, que trabalha consertando geladeira... Faz favor de chamar ele pra mim.
-Mas meu senhor, como que eu posso chamar o Djalma se...
-Ih, espere um instante que a campainha tocou. Rapaz, Djalma chegou aqui. Se apoquente não que eu digo que você quer falar com ele.
-Não, senhor, eu...
-Não, não rapaz. Tenho tempo, não... Preciso falar com Djalma. Eu dou seu recado.
Paz, finalmente...
-Alô!
-Rapaz, esqueci de perguntar seu nome. Diga pra mim, por favor, filho, pra eu dar o recado pra Djalma.
-Meu nome é Abelardo, mas...
-Como?
-Abelardo, mas...
-Hein?
-ABELARDO, mas eu...
-Ah não rapaz, tem ninguém aqui com esse nome não. Aqui só tá Djalma...
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Oração
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Entrega
Meu maior destempero
Meu mais brilhante desaforo
Minha grande confusão
Ter-te é minha morte
Querer-te é minha condição
Por mais que eu não suporte
Grita alto minha emoção
Desisto.
Não mais resisto.
E se ainda insisto
É porque me socorre o Cristo.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Revelação Natural
Sentiu o travesseiro ainda molhado, cambaleou ao se pôr de pé e foi escovar os dentes para tirar o gosto amargo de suas lágrimas. Ali mesmo, preparou como o mais experiente barman seu último coquetel. Alguns calmantes, analgésicos e, pra dar um charme, pastilhas efervescentes.
Pegou seu drinque com a sutileza ensinada pelos jantares compartilhados com pessoas de famílias importantes. Voltou ao quarto e sentou-se na cama. Ah! O gosto que sua única aventura ousada teria...
Ouviu barulhos vindos da janela. Bem agora?! Ignoraria.
Olhou novamente para o seu fascinante elixir da eternidade, determinada. Mais barulhos vindos da janela. Muito a contragosto, decidiu interromper seu compromisso para ir olhar. Demorou um pouco para lembrar como se abriam aquelas cortinas, mas conseguiu. Surpreendeu-se com a visão da plumagem multicolorida, o peito empinado, o bico levantado.
Tentou voltar aos afazeres, mas seu inconveniente visitante começou a cantar. Parou atônita. Nunca ouvira algo assim. Indiferente, o mensageiro continuava a cantar, cada vez mais alto, muito serelepe. Acabou que Regina esqueceu-se do que estava fazendo e ficou observando. Aos poucos, os músculos de sua face começaram a comportar-se de forma estranha. Mexiam-se de forma involuntária, preparando-se para uma ação que não sabia muito bem o que era. Estava fora de controle.
Seus olhos não obedeciam, muito menos suas pernas e mãos. E sua boca... O que estava acontecendo? Aos poucos, delineou-se um formato desconhecido. Seus lábios expandiram para os lados, separaram-se. Com muita dificuldade formou-se um sorriso(!).
Não entendeu muito bem, mas sentiu vontade de viver mais um dia...